sábado, 16 de fevereiro de 2013

O impressionante poder da música

Esta entrevista com o músico e compositor norte-americano Philip B. Calder ajudará o leitor a discernir entre a boa música e aquela que deve ser chamada conjunto de ruídos. A partir de uma perspectiva católica, descubra por que a boa música constitui uma reflexão a respeito da ordem criada por Deus.

 Nascido em Pittsfield, Massachusetts (EUA), Philip Calder jáexibia grande talento musical aos sete anos, quando iniciou aulas de piano. Completou sua primeira composição aos 11 anos, e aos 13 tornou-se um dos alunos favoritos do compositor e maestro de renome internacional, John Duffy. Em seguida passou a participar do famoso festival de música Tanglewood. "Philip era uma criança-prodígio, meu melhor aluno" – disse Duffy.

No Conservatório de Música Julius Hartt, Calder estudou com o mestre de piano Leo Rewinski, e depois órgão com Ernest Nichols, discípulo altamente considerado do lendário Virgil Fox.

Compositor de centenas de obras para piano solo, conjunto instrumental e orquestra, Philip Calder tem-se apresentado nos hemisférios ocidental e oriental como organista, pianista e maestro, incluindo aparições de destaque no Carnegie Hall e com a Metropolitan Opera. Um dos membros fundadores da Sociedade Americana de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, Philip Calder atualmente leciona na Calder Academy of Music, em São Francisco, Califórnia.

Catolicismo — O que o Sr. poderia dizer de um modo geral sobre a natureza da música e as suas influências?

Philip Calder
— A música foi, através dos séculos, uma das artes mais elevadas e talvez das mais abstratas, no sentido de que se pode ouvi-la, mas não apalpá-la. Por sua natureza ela é muito impalpável, etérea e abstrata. Entretanto, move-nos profundamente, atingindo nossos corações e nossas almas. Na Igreja primitiva, São João Crisóstomo disse que a música foi inventada no Céu, e que se o homem fosse um músico, sê-lo-ia por revelação do Espírito Santo. Podemos traçar a origem da música a partir do começo da humanidade. Desde os primeiros tempos, o homem sempre desejou se expressar através das mais diferentes artes. E a maioria de nós, músico ou não, já tentou cantarolar uma melodia ou encontrar um tom, que são as primeiras tentativas de uma composição musical. Há muitas passagens no Antigo Testamento onde instrumentos musicais como a harpa e a lira aparecem, e o Rei Davi é citado cantando, acompanhado de instrumento musical. Os gregos antigos estão entre os descobridores das sete escalas, as quais foram mais tarde usadas pela Igreja Católica na formação do Canto Gregoriano. Portanto, desde o início, podemos ver o importante lugar ocupado pela música na vida do homem na Terra.

Catolicismo — Como a música se desenvolveu durante a esplendorosa Civilização Cristã da Idade Média?
Anjo músico de Fra Angelico - Séc XV

Philip Calder
— A música é um componente básico da influência salvífica e maravilhosa da Igreja Católica, que sempre visou não somente apresentar às pessoas a verdadeira Religião, mas também a formar uma civilização inteira. De onde o desenvolvimento de todas as artes e ofícios que, sob a influência da Igreja, prosperaram cada vez mais rumo ao alto. Pensamos imediatamente no Canto Gregoriano, codificado pelo Papa São Gregório I no século VI. De fato, esta música foi a que mais se desenvolveu durante a Idade Média. Nunca igualado, o Canto Gregoriano a serviço da sagrada liturgia expressa muito a unidade de Deus. No âmbito secular, a música não foi muito desenvolvida, embora encontremos no século XIII, durante a Idade Média, o belo exemplo da música para a coroação do Rei São Luís IX, em 1226, a qual possui duas linhas musicais muito claras. Existe a linha principal e uma de acompanhamento, que é o início de um tipo de harmonia.

Catolicismo — O pensador católico Plinio Corrêa de Oliveira explicita três profundidades na Revolução: nas tendências, nas ideias e nos fatos. Que papel a música pode exercer em tudo isso?

Philip Calder
—Para responder a essa pergunta importa compreender o que o Prof. Plinio quer dizer com essas três profundidades, a mais aplicável das quais, no caso da música, é a primeira: as tendências. Sua tese é a de que, caso haja um ambiente como o de uma sala, em se tratando de uma casa, ou talvez de uma praça, se for uma cidade, o tipo de estrutura e o modo como ele é decorado afetará os movimentos de alma das pessoas que ali estiverem. E se em tal ambiente tivermos uma música tocando, as características dessa música influenciarão o modo de reagir das pessoas. A análise do Prof. Corrêa de Oliveira mostra que a tendência precede a ideia. A pessoa é movida a ter uma tendência em uma ou outra direção, e isto usualmente precede uma ideia consciente que a pessoa tenha; e, uma vez obtida a ideia, esta por sua vez precederá um ato, um fato ou um acontecimento atual.

O movimento nas tendências precede normalmente a tudo, e é onde a música entra nesta equação. A música pode ser muito boa, muito má, ou intermediária. A música que é muito boa tende a influenciar um movimento de alma para as coisas boas. Se a música não for boa, tenderá a influenciar as pessoas na direção errada. E assim, como mostra o Prof. Plinio, a Revolução — no sentido da palavra como ele a explicitou em sua obra Revolução e Contra-Revolução — usou com muito sucesso todas as artes, movendo a humanidade de uma decadência a outra. A música não esteve na primeira linha deste processo porque teria ainda que se desenvolver longamente após a Idade Média. Mas gradualmente, à medida que a música começou a declinar e tornar-se mais revolucionária em vários de seus aspectos, ela passou para a primeira linha, a fim de, pelo seu poder de expressão, influenciar as pessoas em uma ou outra direção. E o que a torna tão poderosa é o fato de que, sendo mais abstrata, ela fala ao aspecto subliminal de nossas almas, numa área onde podemos ser influenciados inclusive sem nos darmos conta. A música pode ser efetivamente maravilhosa para mover as pessoas ao bem, como também pode ser efetivamente devastadora para movê-las ao mal.

 
Catolicismo — O Sr. julga quea música está hoje na linha de frente da Revolução?

Philip Calder — Ela está indubitavelmente na vanguarda e, desculpe-me dizê-lo, de modo muito negativo. Uma das principais razões pelas quais isso acontece é que geralmente as pessoas não estão acostumadas a analisar suas reações diante das coisas. Elas tendem apenas a reagir. Se o Sr. reage a algo sem se perguntar por que está reagindo daquele modo, poderá ser conduzido muito longe por um caminho não desejado.

Catolicismo — Um dos aspectos mais venenosos da Revolução é o seu desejo de igualdade total. A música pode desfazer essa ideia e revelar a harmoniosa desigualdade da ordem criada por Deus?

Philip Calder — Antes de eu ter o privilégio de encontrar e conhecer o Prof. Corrêa de Oliveira, sempre tive uma noção clara de por que eu gostava de uma determinada música. Mas todo o raciocínio mais profundo foi influenciado pelo muito esclarecedor estudo de seu livro Revolução e Contra-Revolução, aplicado à história da música. Um dos exemplos que gosto muito de usar é aquele famoso de uma peça que demonstra irrefutavelmente como a ordem posta por Deus no universo destinava-se a estabelecer uma desigualdade harmoniosa.

Transmitem-nos repetidamente aquele preceito nocivo e venenoso de que tudo tem que ser igual em todos os níveis e em todas as frentes. Simplesmente, não é verdade. Deixemos que fale por si o primeiro movimento, ou Allegro, da Sonata para piano em dó maior, K. 545, de Mozart. Esta é a sua mais famosa sonata de piano. Quem estudou piano e chegou a um certo grau de realização, será capaz de tocá-la. Sua melodia está na mão direita, e o acompanhamento na esquerda. Usando-se apenas a mão direita, torna-se perfeitamente evidente que ela controla a melodia. Mas, caso se toque somente o acompanhamento com a mão esquerda, é bonito, mas será tão-só a figuração repetitiva de algumas cordas, tornando-se rapidamente aborrecido. Entretanto, caso se toque apenas a melodia, se verá que ela ficará menos bela do que se tocada com o acompanhamento, isto é, simultaneamente com as duas mãos. Embora a melodia seja superior, ou mais elevada, do que o acompanhamento que a apoia, o conjunto é maior que as partes. O acompanhamento não é esmagado nem posto de lado pela melodia, mas ambos trabalham perfeitamente juntos. O acompanhamento apoia e eleva a melodia, e esta, por sua vez, eleva o acompanhamento. Juntos, são um perfeito exemplo de desigualdade harmônica. Podemos mostrar assim que é simplesmente falaciosa a ideia de que todas as coisas deveriam ser inteiramente iguais.


Catolicismo — Portanto, poderíamos dizer que Deus pôs a Sua assinatura na desigualdade harmônica do mundo do som?E a que extensão os músicos revolucionários de nossa época levaram a negação desse mundo hierárquico?

Philip Calder — Há aqui duas questões diferentes, embora muito relacionadas. Existe um grande número de exemplos mostrando como Deus pôs a sua assinatura no mundo hierárquico do som. Se tomarmos qualquer som musical em qualquer instrumento, o ouvido humano ouve aquele som. Mas a física mostrou que quando aquele som está vibrando, há na realidade quinze outros sons, inaudíveis ao ouvido humano, que estão soando mais alto ao mesmo tempo. Isso é chamado série de som harmônico. O padrão é sempre o mesmo. Sem ser muito técnico, começa-se com o tom determinado, e com o tom número dois, que é o primeiro desses outros 15, uma oitava. Tem-se assim um Dó – o próximo tom será um Dó. O terceiro será o Sol acima deste. O quarto será o Dó acima do Sol. Como se verá, existe aqui uma ordem. Todos aqueles primeiros tons básicos estão na mesma clave. Não se terá um Dó, um Dó-sustenido, um Sol-sustenido e um Sol-bemol, porque esses não seriam tons simpáticos.

Deus pôs nisso a Sua assinatura, porque Ele construiu a natureza, a qual inclui, é claro, a ciência do som. Apenas descobrimos as coisas feitas por Ele. E é interessante como esta série de sobre-tons tem um nexo definitivo com a religião, com a doutrina católica, porque o tom que é dado poderia ser como o mundo visível. Os 15 outros tons são o invisível. As pessoas sem fé dirão: “Do quê você está falando? Isso não existe!” Mas sabemos que existe. Os anjos aí estão, e os sobre-tons também. Outro exemplo, ainda sobre a “assinatura de Deus”, poderia ser a escala comum, porque Ele fez a escala, a escala maior. Nós vemos mais facilmente a escala maior nas teclasde Dó a Dó. Apenas as teclasbrancas. Agora, qualquer pessoa que ouça, ainda que não tenha nenhuma experiência musical, dar-se-á conta de que isso tem uma certa retidão. Caso se comece pelas oito teclas brancas e de repente vai do Mi ao Si sustenido e ao Si bemol, para terminar no Ré bemol, a pessoa dirá: “O que você está fazendo? Por que fez isso? Não combina”. Assim, aquela série de claves possui uma ordem interna. Ela fala por si só. A prova está no som.

Agora, quanto à segunda parte da questão, os velhos mestres compreenderam isso de diversas maneiras e construíram suas grandes estruturas musicais, um arcabouço que poderíamos chamar de “verdades musicais”. Ninguém escreve uma sinfonia em dó maior e a termina em B maior, porque isso destoaria da própria identidade da peça. O Si maior é um belo acorde, mas não se termina uma sinfonia em Si maior. Com o tempo, os compositores encontraram outros modos de modular, indo de uma clave para outra, e depois voltando. Iniciando em um lugar, executando uma enorme variedade e voltando ao principal, os maiores compositores reafirmavam assim verdades filosóficas, bom senso, equilíbrio, justeza e simetria. Se não o fizessem, se produziria um deslocamento, causando uma inquietação profunda no ouvinte. Seja como for, à medida que o tempo passava e a Revolução ia avançando e separando o homem de Deus, os músicos modernos — como também os pintores, escultores e arquitetos — se infectavam com a ideia de fazer algo completamente diferente. Tornaram-se menos humildes e incapazes de construir aproveitando e incrementando as grandes composições do passado.

Todos os mestres do passado, em qualquer de suas grandes atividades artísticas, introduziriam as coisas boas que tinham sido feitas antes. Na música, se não tivesse existido Palestrina, Corelli, e todos aqueles grandes mestres, não teria havido Bach e Handel. Não há saída. E certamente não teria existido Mozart. Mozart não saiu do nada e de repente começou a escrever sua música. A ideia moderna de igualdade total, e de que todo mundo deve ser independente, deu aos músicos a noção de que ou eles faziam algo totalmente diferente do que já fora feito, ou não teria nenhum valor. No século XX, essa ideia chegou a um paroxismo. Por exemplo, Arnold Schönberg veio com a tal ideia que chamou de “regra dos 12 tons”. Ele não inventou esses 12 tons; o que fez foi excogitar uma regra arbitrária, dizendo que ao escrever música não se pode reutilizar qualquer um dos 12 tons enquanto não se tiver usado todos os outros. Isso foi algo não apenas arbitrário, mas fatal para qualquer trabalho reconhecido de música, porque em qualquer grande peça de música, até mesmo em uma canção, há essa bonita progressão repetida. Assim, é natural que ouvindo uma bela música, a alma humana diga: “Eu quero ouvi-la novamente”.

Catolicismo — O que a Revolução tem a ver com isso?

Philip Calder — Dizer que algo deve ser completamente diferente e nunca mais voltar, altera a noção de ordem. Assim, nessa regra de 12 tons, os compositores  começaram a dizer que a relação entre os acordes de que falamos deve ser completamente negada. Em outras palavras, não há ordem, hierarquia, desigualdade, não há nada. Se tudo for reduzido ao mesmo plano em qualquer esfera, como disse o grande Santo Tomás de Aquino, nunca se encontrará a Deus. Só se encontra a Deus no ápice de uma longa série hierárquica ascensional. E para se obter uma hierarquia de coisas, é preciso que elas sejam desiguais. Se forem iguais, não se pode distingui-las. Nada tem preeminência sobre outra coisa qualquer, nada serve a nada, tudo tem seu próprio começo e fim, há um colapso total. Isso foi o que aconteceu na sociedade, e também na música. Os músicos do século XX enlouqueceram ao tentar novas maneiras de fazer as coisas. O resultado final do que eles fazem é o caos, que é o oposto absoluto da enorme ordenação da civilização e das artes que a Igreja sempre realizou.

Catolicismo — O Sr. poderia nos indicar um modo de analisar objetivamente uma peça musical, para se saber em que medida ela é boa ou má?

Philip Calder — Graças à sabedoria luminosa da Igreja Católica, há coisas que podem nos ajudar. É claro que temos que aplicar essas coisas à música. Uma delas é o que em filosofia se denominam os quatro atributos do ser. Se analisarmos qualquer ser na criação de Deus e que o homem tenha feito de bom, ela terá estes quatro atributos: unum, verum, bonum e pulchrum. O unum significa a unicidade de algo. Tudo que é bom e reto tem uma unidade. Não se vê uma rosa brotar do tronco de um carvalho. A árvore possui sua própria unidade. Analogamente, numa boa peça de música é possível perceber como as diversas partes se ordenam para formar um só todo. Se alguma coisa desfizesse abruptamente aquela unidade, ela quebraria o unum, a unidade. 

A segunda qualidade, o verum, é a veracidade. Tudo na criação de Deus tem em si a verdade, tem um motivo certo para existir. E assim, qualquer coisa de bom que o homem faz refletindo a ordem de Deus possui este verum. Um bom trabalho de música, bem como nas outras artes, terá uma veracidade, um propósito verdadeiro, uma boa finalidade. O bonum é a bondade. Tudo quanto Deus fez no Universo tem bondade. As obras que o homem faz que são boas, isto é, agradáveis aos olhos de Deus, têm uma razão de ser. Por exemplo, uma boa peça de música estará completamente fora de lugar numa discoteca. A quarta qualidade é o pulchrum, que significa beleza. E o que os grandes filósofos católicos mostram é que, tendo-se os três primeiros, isto é, o unum, o verum e o bonum, têm-se as condições para que exista a beleza. Se uma da três primeiras estiver faltando, não se terá a quarta. É por isso que pode ser muito enganosa a famosa frase de que “a beleza está nos olhos de quem olha”, pois se o espectador não se baseia em princípios verdadeiros, poderá ter uma ideia distorcida do que é a beleza.

Há também outro ponto que vem dos teólogos católicos. Santo Tomás explicita o que ele chama de as três faculdades da alma: inteligência, vontade e sensibilidade. A inteligência dá ao entendimento a capacidade de analisar e captar algo. Se essas faculdades estiverem em ordem, a inteligência iluminará a vontade, a qual lavará a pessoa a desejar as coisas que a inteligência mostrou serem boas. A mais baixa das três faculdades é a sensibilidade, isto é, a maneira como a alma responde aos estímulos exteriores. Aqui estamos falando de música. Assim, o modo como a nossa alma responde a uma série de sons diz respeito à sensibilidade. Se a inteligência e a vontade estiverem ordenadas, encontrando-nos diante de uma série de sons considerados questionáveis??a vontade ordenará à sensibilidade da alma para rejeitá-la. Se a nossa inteligência e vontade não fizerem o que devem, deixarão o caminho livre ao domínio da sensibilidade. O que a Revolução fez gradualmente foi inverter essas três potências da alma, acostumando as pessoas a não usar a inteligência para chegar ao até o fundo de algo. Quanto menos se usar a inteligência, tanto menor será a capacidade da vontade para discernir.

Isso explica por que todo esse processo gradual desenvolvido no decurso de um extenso período de tempo resultou no que tem sido chamado de “civilização da imagem”. Esta abrange imagens não somente físicas e palpáveis??, mas imagens de sons; a pessoa gosta de um som ou de outro porque seus amigos o apreciam, não fazendo ela qualquer análise ou rejeição consciente. Isso foi o que aconteceu em nossa era moderna, em que isso ficou totalmente fora de controle. No contexto desta entrevista, as pessoas precisam começar a meditar sobre uma peça musical e perguntar: “Por que eu gosto disto?Como esta peça musical se desenvolve segundo os quatro atributos do ser? Será que o compositor ou intérprete tem as faculdades de sua alma ordenadas, ou já foi tudo totalmente invertido?”. Se as pessoas adquirirem o hábito de proceder assim, passarão a fazer uma abordagem mais objetiva da música que apreciam, não se cingindo a dizer simplesmente que gostam, pois isso não é suficiente. Eu não quero dar aqui a ideia de que todas essas coisas são ou preto ou branco. Não, há graus intermediários. Até que ponto se pode ir adiante com algo que tem graus indesejáveis ??antes de dizer: “É isso”? Quanto mais uma pessoa puder colocar essas coisas em foco, tanto mais sua alma crescerá, sua vida interior crescerá, e suas preferências irão se refinando. Há preferências na música.

Catolicismo — Uma questão colateral: os bons frutos musicais podem ser produzidos em sociedades existentes apenas na ordem natural?

Philip Calder — Os grandes esforços missionários católicos através dos tempos têm mostrado que, quando a Igreja atinge os povos de todas as origens, Deus, o Pai de todos, nunca abandona ninguém. Nos bilhões de pessoas que Deus criou desde o início, pode-se ver um número infinito de graus, único cada qual. Deus não deixará de dar a cada um, em qualquer nível que esteja, os meios para O conhecer. Uma das maneiras de a Igreja nos mostrar como Deus se revela é através dos Dez Mandamentos. No entanto, mesmo em povos primitivos que nunca ouviram falar nos Dez Mandamentos, estes estão inscritos em seus corações. Todo homem sabe o que é certo e o que é errado. As sociedades – para aquela desenvolvida pela Igreja eu prefiro reservar o termo “civilização” – que não se beneficiaram da influência sobrenatural da Igreja, mas que existiram apenas na ordem natural, terão todas essas coisas em diferentes graus. Por exemplo, uma das mais antigas sociedades, a da China, mesmo sem a influência civilizadora e salvífica da Igreja, fez muitas coisas bonitas. É claro que havia desordens, mas os chineses têm grande refinamento e inteligência, além de um grande apreço pela beleza.

Fonte: Revista Catolicismo

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Álcool, tolerância zero e Constituição

 Artigo de Ives Gandra
Jornal Diário do Comércio

Reza o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".
É do conhecimento geral que a religião católica apostólica romana tem a missa como centro de sua liturgia e, nesta, o momento mais solene é o da consagração das espécies, em que, pela transubstanciação, o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo, sem alteração das espécies.
O gesto de Cristo, na última Ceia antes do martírio do julgamento, via crucis, calvário e cruz, é renovado há dois mil anos pelos sacerdotes ordenados, que ingerem o vinho transubstanciado em pequena quantidade.
O número reduzido de sacerdotes para o grande número de fiéis leva muitos deles a "binarem" ou "trinarem" (oficiam 2 ou 3 missas por dia) em lugares diversos, ingerindo, pois, em cada consagração, uma pequena quantidade de vinho.
Ora, pela lei "politicamente correta" – segundo a qual  qualquer quantidade afetaria  necessariamente as habilidades dos motoristas  – aprovada com grande estardalhaço midiático, multas elevadíssimas e até pena de prisão serão aplicadas aos motoristas que tenham consumido até mesmo um bombom com licor, pois a tolerância é zero.
Ora, como os sacerdotes católicos não podem deixar de rezar a missa diária e nem de atender os fiéis em diversas igrejas e lugares para os ofícios – como ministrar extrema unção em hospitais, encomendar corpos em velórios, além de sua pastoral normal – e não gozam das mordomias oficiais dos agentes públicos de certo escalão, nos três Poderes (que se utilizam de motoristas pagos pelo erário público), pois vivem com orçamentos limitados, são obrigados a dirigir seus próprios carros no exercício de sua atividade sacerdotal.
Ora, qualquer deles está sujeito, numa "blitz", a ser multado e, na reincidência, preso, em fantástica violação ao art. 5º, inciso VI da Constituição Federal, que proíbe qualquer limitação ao culto das religiões, cujo livre exercício é assegurado, sendo inviolável a 
liberdade de crença.
A lei de tolerância zero, que cerceia a liberdade de culto – culto este que tem 2.000 anos no mundo inteiro e em todos os países, até mesmo na maioria dos islâmicos – é, neste particular, manifestamente inconstitucional, pois impede o exercício da atividade pastoral dos sacerdotes católicos apostólicos romanos, proibindo-os de dirigir os seus próprios carros para atender os fiéis nos casos em que sua presença se faz necessária, desde o nascimento até a morte (batismo, casamento, extrema unção e encomenda de corpo).
Assim, caso algum sacerdote seja multado ou preso por exercer  a sua atividade, poderá 
ser arguida a inconstitucionalidade manifesta da lei, que representa o cerceamento de sua ação pastoral.
Em minha opinião, caberia, inclusive, uma ação direta de inconstitucionalidade pela qual, conforme jurisprudência pacífica no STF, a inconstitucionalidade seria decretada sem 
redução do texto legal, que seria mantido, exceto nessa hipótese.
Pessoalmente, entendo que é uma lei contrária à lógica e à razão. Deveria ela punir apenas aqueles que tivessem bebido quantidade de álcool suficiente para afetar suas habilidades de motorista, e não partir do pressuposto, absolutamente imbecil, de que qualquer gota de álcool pode afetar tais habilidades. O problema é sempre o mesmo: as autoridades querem se eximir de fiscalizar. Como dá mais trabalho verificar se o condutor ingeriu a  dosagem mínima que a lei admite, adotam a "tolerância zero". Com isso, no Brasil, todos os que comerem um bombom com licor tornam-se inabilitados para dirigir, porque têm, por ficção, suas faculdades mentais afetadas. Ora, o "politicamente correto" não pode excluir a razoabilidade, sob pena de se transformar em "estupidez politicamente correta", que ficará no anedotário da história para as futuras gerações.
Ives Gandra da Silva Martins é jurista e, entre outros títulos,  professor emérito das Universidades Mackenzie e Unip, das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército e Superior de Guerra e membro nato do Conselho Superior da Associação Comercial de São Paulo.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Jorge, Julián e Miguel, três irmãos mártires

  
Carmen Sichar Claver decidió un 19 de marzo de 1982 legar a sus hijos el tesoro más preciado que tenía. Para ello escribió por dos veces, uno para cada hijo, un cuaderno con una historia en la que narraría el martirio de sus tres hermanos: Jorge, Julián y Miguel Sichar Claver.
  
Su padre, Jorge Sichar Allué, había sido uno de los fundadores y el primer director de “El Cruzado Aragonés”, que como podía leerse en su cabecera se trataba de un semanario católico defensor de los intereses morales y materiales del Alto Aragón. Fundado en 1903, vinculado al Obispado de Barbastro, numerosos padres escolapios y benedictinos del Santuario del Pueyo, aportaban trabajos y colaboraciones de extraordinario nivel. La primera etapa publicará el último número el 18 de Julio de 1936. Cuatro meses antes Barbastro había dado la bienvenida al nuevo Obispo, Monseñor Florentino Asensio, que moriría mártir el 9 de agosto de 1936, al igual que el director del periódico, el sacerdote Marcelino Capalvo. El 12 de agosto de 1936, el llamado Comité de Enlace Antifascista de Barbastro, ordena la incautación de toda la documentación y archivos. La voz del periódico fue violenta e injustamente acallada.

En 1953 relanza el periódico Monseñor Pedro Cantero Cuadrado, obispo de Barbastro. Su publicación llega hasta nuestros días.

Con todos estos datos, el artículo de hoy, nos hace regresar a la diócesis de Barbastro tan castigada en los días de la persecución religiosa.

Carmen comienza narrando el ambiente católico que siempre se había vivido en su casa “fueron días muy difíciles para muchas familias de vida y costumbres católicas; familias que no estábamos dispuestas a aceptar las ideas comunistas, enemigas de Dios y su santa religión; haciendo de España una nación atea”. Los hechos suceden entre Barbastro y Estada, municipio de la comarca Somontano de Barbastro (Huesca). 

Jorge y Miguel eran abogados; Julián, sacerdote. Los tres profesaban un ardiente amor a Jesús en la Sagrada Eucaristía. Jorge fue fundador y miembro de la Adoración Nocturna de Barbastro. Fueron detenidos en su casa el miércoles 22 de julio de 1936. Los subieron a un camión donde iban también detenidos los vecinos Manuel Portolés, Ramón Lisa y el párroco, don José Ribes. Los llevaron a Barbastro, donde ingresaron en la cárcel a las 22´30 horas.
  
Este es el relato de Carmen Sichar:

El coronel José Villalva, viendo que las turbas querían asaltar el cuartel, se acobardó entregando la plaza en sus manos. Al momento se produjeron en masa las detenciones del señor Obispo, sacerdotes, religiosos y católicos seglares, hombres de bien de todas clases sociales, políticos o no, daba igual. Iban a misa; había que matarlos. 

El 20 de julio, vinieron del Ayuntamiento de Estada a detenernos en nombre del comité. Allí pasamos unas horas, y, en la madrugada del 22, nos obligaron a toda la familia, juntamente con el párroco a salir de noche, por una ventana trasera de la casa, para que fuéramos con ellos al monte, alegando que de Barbastro habían recibido órdenes de detención. Como la salida fue muy rápida, nosotros no pensamos más que llevarnos al Sagrado Corazón de Jesús por compañía, imagen de un metro de altura que pasábamos de mano en mano para repartir el sacrificio. 

Al amanecer nos cobijamos en una pequeña casita de monte en plena sierra y cercana a una fuente. Pasadas unas horas, se presentó allí una persona que, con conocimiento del comité, traía algo para comer. Esta persona nos aconsejaba que huyéramos a Francia por las montañas, empresa ésta de una envergadura sumamente difícil con mi madre y el señor párroco, de cerca de sesenta años. Con un grupo de siete personas iba a ser muy arriesgada la huida.

Uno de los que nos acompañaba se fingía de buena fe, pero bajó al pueblo diciendo que queríamos huir, y, al atardecer, reforzando la guardia, nos obligaron a regresar al pueblo, poniendo guardia permanente en la puerta de casa, delante y detrás. Este suceso ocurrió el 22 de julio, fiesta de la Patrona del pueblo, Santa Magdalena. Alguno comentó: “¡Qué día tan señalado el de hoy...!”. La contestación fue la siguiente: “¡Este año la procesión, ha sido más larga y presidida por el Sagrado Corazón!”.


Pasamos la noche sobrecogidos viendo que se avecinaban momentos trágicos, difíciles. Rezábamos en silencio. El párroco durmió en casa. No le permitieron ir a la suya. A las once de la mañana del veintitrés, de nuevo nos obligaron a ir a Estadilla en un camión, porque allí había Guardia Civil y el comité así lo ordenó. Nos llevaron a una casa como detenidos. A pesar de haber parentesco entre nosotros, no fuimos acogidos con la cordialidad acostumbrada. Vino a saludarnos muy efusivo el jefe de la Guardia Civil. A poco, el presidente del comité, y, entre unos y otros, de Herodes a Pilatos, regresamos a casa a comer. Por momentos, el ambiente se tornaba cada vez más tenso, cargado de odio a todo lo que representaba a Dios y su Iglesia. Se veía venir el desenlace del drama. Al atardecer, llegaron al fin los del comité de Barbastro, y, unidos a los de aquí, se llevaron al párroco don José Ribes Guardia, mis tres hermanos: Jorge, Julián y Miguel, y a otro vecino del pueblo, Manuel Portolés, que también fue fusilado el siete de diciembre del 36, y Ramón Lisa, que fue el único superviviente. A nosotras tres: mi madre, mi hermana y a mí, nos dijeron que no querían mujeres. Al despedirnos y darnos un abrazo, unos y otros dijimos: “¡Adiós! ¡Hasta el Cielo!”. Ellos bajaron la escalera y desaparecieron para no volver. Nosotras, al perder de vista a aquellos forajidos, caímos de rodillas en el oratorio de casa y nos sumimos en la más grande soledad. Yo pedí a Julián que me dejara confesar con él, cosa que me ilusionaba hacía tiempo y a él le daba apuros. Le insistí nuevamente y tuve la satisfacción de recibir de él la absolución. 

¡Qué días y qué noches pasadas en completa desolación! No podíamos conciliar el sueño. Cualquier ruido o coche creíamos que venía por nosotras tres, que habíamos quedado en casa. Varias noches asaltaron la iglesia mofándose de las imágenes que arrastraban por la calle, y jugaban “goleando” con la cabeza de un hermoso y antiquísimo Crucifijo, haciendo grandes hogueras con los altares. Como la iglesia está frente a nuestra casa, no podíamos perdernos tan horrible orgía. Reconocíamos las voces de los blasfemos de tal profanación. Aquello fue horrible. Las pocas noticias que nos llegaban eran que en todos los pueblos hacían lo mismo. ¡Vaya consuelo el nuestro! Que en todas partes amigos y parientes pasaban las mismas amarguras que nosotras. Alguna amiga que vino a visitarnos enseguida le dieron órdenes de que no volviera a hacerlo, pues le perjudicaba. Incluso el señor médico tuvo que hacer saber su profesión para venir diciendo que como médico, si lo necesitábamos, que vendría, pero que, como amigo desde la niñez, no podía hacerlo. Tan grande era el odio a todo lo nuestro que un perro lobo que teníamos, y que hacía nuestras delicias en nuestros paseos por el campo, al faltar mis hermanos, notó algo anormal en la casa y se fue a cobijar debajo de nuestras camas. Un día desapareció y, al preguntar por él nos dijeron que también lo habían fusilado.

Mi madre estuvo tal vez más de quince días sin poder conciliar el sueño. Ella, que era de su natural arrogante, aunque sencilla en el trato, iba andando penosamente encorvada bajo el peso de su pena. Todos los días, por un lado u otro, sabíamos de los fusilamientos en masa, y el 6 de agosto llegó la noticia fatal. El camión de casa fue incautado y el chofer iba y venía a Barbastro a diario, llevando a los del comité. Al llegar la tarde del 6 de agosto vino a casa. Salió María Josefa (mi hermana) al encuentro para saber de los hermanos. Él les llevaba ropa a la cárcel, y aquel día se la devolvieron. Señal inequívoca de que habían sido fusilados. Al dar la noticia a nuestra madre no sabíamos cómo empezar. Poco hubo que indicarle. Lo comprendió rápidamente, y, con una resignación pasmosa, nos dijo: “¡Hijas mías! ¡Alabado sea Dios que así lo ha permitido!”. Pasamos largas horas en silencio, yo más diría en oración constante. Cuando podíamos, rezábamos el rosario y leíamos las oraciones de la Misa. Al leer el evangelio del 6 de agosto: la Transfiguración del Señor con el ofrecimiento de los apóstoles de construir tres tiendas para estar con Jesús, nosotras ofrecíamos aquellas tres vidas jóvenes, pidiendo que su sangre derramada no fuera estéril; que el Señor aceptase aquellos sacrificios para bien de la Iglesia Católica y de España. 

Dicen que el martirio se prepara con una vida de martirio. ¡Qué clase de martirio no pasarían en aquellos catorce días en la cárcel abarrotada de amigos y compañeros y en los PP. Escolapios! ¡Qué trato recibirían de aquellos forajidos llenos de ira, sin temor a Dios alguno, y que allí mandaban bajo la opresión, sin sujetarse a autoridad legal alguna! Poco sabemos de lo que dentro ocurría, únicamente padecimos el resultado. 

Barbastro, como los pueblos limítrofes, en esos días era un hervidero de gentes venidas de Cataluña, gentes salidas de su célebre “barrio chino”, gentes desalmadas que envenenaban a los que estaban por estos contornos, propensos también ellos a la revolución marxista, por lo tanto, dispuestos a colaborar, a sus órdenes, en toda clase de atropellos. Al ver que no podían entrar en Huesca, se cebaron en la retaguardia destruyendo cuanto contenía un significado de Religión y de Patria. 

Me imagino el alto nivel de fe y amor a Dios que en la cárcel reinaría entre unos y otros. ¡Qué confesiones con tan buenos sacerdotes! El desprendimiento de todo lo humano ante lo divino, viendo llegar el holocausto de sus vidas en flor, ofrecidas desinteresadamente por la Religión y España, tan perseguidas. Fue éste un preámbulo que, seguro, aceptaron con gusto viendo llegar la muerte, y que, si sus vidas eran gratas al Señor, las ofrecían generosamente pidiendo perdón por sus asesinos con la misma actitud del Señor en la Cruz: “¡Padre, perdónalos, que no saben lo que hacen!”. Rodeados del señor Obispo y de tan eminentes sacerdotes que los confortaban si alguno de ellos desfallecía, ¡qué momentos de emoción y fervor cristiano vivirían durante aquellos días interminables! 

En la mañana del 6 de agosto, en la carretera de Huesca, a kilómetro y medio, dieron sus vidas a Dios. Al salir de la cárcel para subir al camión de la muerte, cómo mirarían a su alrededor aquellos edificios tan llenos de recuerdos de la niñez, la casa donde nacimos y donde, siendo niños, aprendimos los fundamentos de la fe, incluso en nuestros juegos infantiles.

La familia conserva este documento sellado por el Comité de enlace antifascista, que nombra a los hermanos mártires pluralizando el primer apellido: los Sichares, 3. Llama la atención el encabezamiento: "Presos que pide el Pueblo". 
 
Tuvimos noticias bastante directas presenciadas por el chofer que los condujo al lugar del fusilamiento, llamado Mariano Fierro, que era hijo de una familia muy adicta a mis padres durante varias generaciones. Este aseguraba que al ver subir al camión a mis hermanos, y a don Félix Sanz, canónigo con quien también le unía muy buena amistad, quiso fingirse enfermo, alegando que no podía conducir, a lo que los verdugos le contestaron: “¡Si no llevas el camión, monta detrás con ellos!”. Como es lógico, quieras que no, hubo de tomar el volante. Este muchacho joven presenció cómo iban cantando el himno a Cristo Rey por la carretera hasta llegar al lugar del fusilamiento. Allí, cuando iban a dispararlos, todos a una gritaron: “¡Viva Cristo Rey!”.
 Pilar Claver Coll, hermana de José Mª, fusilado el mismo día, me aseguró que al ir a reconocer el cadáver de éste, una vez liberado Barbastro, encontraban los cadáveres sin pantalones. ¡Qué hicieron con las víctimas, sólo Dios lo sabe!
Nosotras, cuando regresamos después de los tres años de guerra y quisimos recoger sus restos, nos dijeron que era imposible ya identificarlos. Esperamos que, en el último día, y al son de la trompeta del Juicio Final, podamos verlos con la corona del martirio sobre sus cabezas.
 Espigando párrafos del manuscrito, dejamos que Carmen esboce los datos biográficos de sus tres hermanos mártires.
 Julián, sacerdote secular
Un día monseñor Isidoro Badía, Obispo de Barbastro, dijo a mi padre: “Usted que tiene tantos hijos, ¿por qué no me manda algunos al Seminario?”. Hizo durante la comida en familia ese comentario. Julián, que entonces tenía diez años, contestó: “-Yo quiero ir”.
Como vieron que el niño insistía, mis padres lo mandaron a varios sacerdotes de la Curia, para que ellos comprobaran si verdaderamente tenía vocación. Empezó sus estudios con mucha ilusión. Pasó en el Seminario de Barbastro cuatro años. Mis padres seguían su vocación de cerca, aconsejados por varios canónigos decidieron que fuera a la Universidad de Comillas, a completar allí su carrera sacerdotal. Julián estudió allí dos años.
Durante este período, le pareció que el Señor le llamaba al Noviciado de los jesuitas. Mis padres deseaban que primero acabara su carrera, y, terminada ésta, decidiera… Al fin accedieron, y marchó a Carrión de los Condes, al Noviciado, donde estuvo poco tiempo, no llegó a un curso, porque su salud se quebrantó con el crecimiento de sus dieciséis años, regresando a casa, donde fue sometido a un severo régimen, combatiendo la albúmina durante más de un año, siguiendo nuevamente sus estudios en Barbastro.
Al reponerse, regresó a Comillas, pensando que como sacerdote secular podría misionar mucho en España. Celebró su Primera Misa el 14 de agosto de 1930, a poco de morir nuestro padre y nuestro hermano Jaime. Trece meses de uno a otro. La celebró en el Oratorio de la casa de Estada.
Julián tenía un trato sencillo y agradable que todos admiraban. Terminada su carrera, fue a Roma para hacer su licenciatura en Derecho Canónico en la Gregoriana. Allí estaba el año 1931 y tuvo que regresar a España porque le exigían cumplir el servicio militar.
Desde antes de cantar Misa tomó posesión de un beneficio que de antiguo había sido fundado y que mis padres cubrían las cargas con todo esmero. Este se hizo cargo de dichas obligaciones y ayudaba al párroco en las catequesis y cantos parroquiales, haciendo lo mismo en los pueblos vecinos. Era muy querido y respetado entre sus compañeros, aunque éstos fueran más ancianos.
 Jorge y Miguel fueron abogados
Mis hermanos, en estos años, fueron a la Universidad. Hicieron sus carreras: Jorge, abogado; Francisco, militar; Julián, sacerdote; Miguel, abogado; Jaime murió diabético a sus veinte años, dando en su enfermedad, y especialmente en sus últimos días, testimonio de su fe, aceptando con resignación la prueba que el Señor le enviaba. María Josefa y yo ayudábamos a nuestra madre en las tareas de la casa. Mis padres no veían con agrado el paso de las hijas por la Universidad. El menor de mis hermanos, Carlos, murió a los cinco meses de edad.
El paso por la Universidad, les abrió los ojos a mis hermanos, al tratar de cerca de personas de ideas liberales, algunas de las cuales ocuparon después cargos en la política. No compartían las ideas de éstos, manteniéndose siempre fieles a la doctrina de la Iglesia y manifestándolo públicamente. Esto no era del agrado de muchos. A otros les gustaba conversar con ellos, teniendo largas charlas también con los buenísimos sacerdotes que entonces abundaban. Al fundar la Acción Católica y la Adoración Nocturna, allí estaban ellos como socios fundadores.
 
Miguel, a sus catorce años, padeció una desviación de columna vertebral que le obligó a estar en cama durante diez y ocho meses. Antes había llevado un corsé ortopédico. Con todo esto sufrió mucho en sus años jóvenes. Nunca le oímos quejarse, antes al contrario, salió muy confortado en la fe. Ni que decir tiene que, como sus hermanos, cumplía fielmente sus obligaciones con la Iglesia de Cristo. Entre los universitarios y amigos procuraba dar buen ejemplo de su fe. Miguel, al llegar su servicio militar se hizo Oficial de Complemento… pasados un par de años llegó la fatal República atea con sus consecuencias trágicas. Como Alférez de Complemento le obligaban a que aceptase ésta y sus leyes. Miguel y dos más en toda España, fueron los únicos, que se negaron a ello, degradándolos. Fue publicado en el Diario Oficial del Ejército. No puedo precisar la fecha.
…Como las oposiciones y colocaciones estaban muy difíciles, y casi reservadas todas ellas a los de ideas totalmente opuestas a las suyas, Miguel seguía en casa ayudando a Jorge en las tareas de la familia. Todos los días oía Misa y comulgaba ayudando como monaguillo a Julián, para así ganar las indulgencias concedidas por ello. Se declaró esclavo de la Virgen, y pidió que su enterramiento fuera con rito católico (entonces había que exigirlo). Lo hicimos toda la familia.
Una madrugada, al salir de la Adoración Nocturna con un grupo de jóvenes de Acción Católica, se indignaron al ver unos escritos que, en el suelo de la Plaza del Mercado, habían estampado los enemigos de la fe. Eran unas frases insultantes contra Dios y contra España. Ellos borraron lo que precedía, y, aprovechando la palabra España, añadieron: Esta quiere la Religión Católica y la Monarquía.
La reacción no se hizo esperar. Entre unos y otros hubo momentos de gran tirantez hasta que los rojos comunistas desaparecieron. La sentencia contra los valientes que habían salido en defensa de Dios y de España, se pronunció aquel día. De aquel grupo de católicos pocos quedaron con vida puesto que, en los primeros días del Alzamiento, entre Julio y Agosto, desparecieron casi todos.
Jorge, como hermano mayor, ayudó desde muy joven a mis padres en las tareas de la casa, una vez terminada su carrera de abogado. Le llamaban el papá joven, porque siempre iba rodeado de los hermanos pequeños. Se destacó mucho por su simpatía y personalidad. Esto le obligó a aceptar el cargo de Jefe Regional de la Comunión Tradicionalista en la Provincia de Huesca.
Como buen español y requeté, descendiente de nuestros antepasados que también lo fueron para defender a Dios y a España de las corrientes liberales, tuvo que tomar parte en actos públicos. Jamás le movió ni la más ligera idea de dedicarse a la política. Su lema era: Dios y España, tan ultrajados y menospreciados en aquellas fechas por liberales y masones.
Acudía a los actos de la Minerva del Santísimo que había en la Catedral, Octava solemnísima del Corpus Christi (dicho apelativo "de la Minerva", se debe al hecho de que según la tradición las procesiones eucarísticas en torno al Corpus empezaron a celebrarse en la Basílica romana de Santa María sopra Minerva). Era de la Adoración y fundador de ésta a la que acudíamos de Estada a Barbastro -junto con otras funciones religiosas- para dar testimonio de nuestra fe. La novena del Sagrado Corazón de Jesús no la perdíamos jamás. Éramos como tantos otros que, amantes de nuestra Religión, historia, leyes y cultura, llevábamos esa tradición en la médula de los huesos. En el año de 1936, estas participaciones religiosas eran ya casi un reto. Los marxistas atacaban por todos lados. Los católicos no se achicaban, enfervorizados por tantos e insignes sacerdotes que nos preparaban para estar en nuestros puestos de alerta.
Jorge compartía muy buenas amistades con los señores obispos y clero en general, estando muy asesorado para ver y comprender cómo se desarrollaban los acontecimientos nacionales.
Sucedió el segundo asalto por los rojos al seminario a finales de mayo, días antes de la novena al Sagrado Corazón de Jesús. Ellos reclamaban el edificio como casa del pueblo. Jorge y Miguel, sabedores de lo que iba a ocurrir fueron allí para acompañar a los PP. Claretianos que lo regentaban. En el momento del asalto eran los únicos seglares que estaban en el edificio, más algún seminarista. La policía de Guardias de Asalto que vinieron de Huesca con el fin de proteger el edificio, al entrar, comentaban las muchas barbaridades que como aquella se cometían en España por los amigos de Marx. Los guardias añadían que se estaba preparando un Alzamiento Nacional, como así ocurrió el 18 de julio. En el intervalo de estos días, dieron un plazo al Sr. Obispo, Monseñor Florentino Asensio para que desalojara el edificio. Mis hermanos, de acuerdo con dicho señor Obispo, con el camión de casa y el conductor, ayudaron durante varios días a llevar a Palacio cuanto el señor Obispo dispuso.
Mucha gente los felicitaba por la calle por su adhesión a la Iglesia, lo mismo que a mi madre por tales hijos. No faltó uno que dijo a Jorge:
“-¡Eres demasiado arriesgado. Lo vas a pagar caro. Mira, mientras sólo se metan con los curas, tú déjalos!”.
A lo que mi hermano contestó:
“-Cuando se metan con ellos, no estaremos muy libres ni tú ni yo”.
Efectivamente, así fue; mis hermanos fusilados el 6 de agosto, y dicho señor el 21 de septiembre. Me figuro que en el Cielo se habrán encontrado, ya que les unían ideales parecidos.

A beleza da mulher e o reino do inteligível

"A mulher bela é uma presença que se impõe à inteligência
e aos sentidos de maneira visceral".


Psique abre a caixa de Perséfone
Tal é o esplendor das coisas belas, que deparar com elas inunda as potências superiores da alma humana, com marcantes reflexos também no plano sensitivo: mudança no padrão dos batimentos cardíacos, elevação da pressão sanguínea, benéficas alterações químicas no sistema neurotransmissor, aguçamento da visão, que se compraz na percepção da harmonia, etc. Entre o espírito e a beleza existe certa conaturalidade metafísica, em virtude da manifestação dos aspectos transcendentais do ser (como unidade, integridade, simetria, inteligibilidade e esplendor formal) passíveis de ser identificados em qualquer ente que esteja no pleno ato de sua perfeição ontológica.

O impacto resultante do contato da inteligência com a beleza invade o universo onírico, contagia a imaginação, aguça a memória, potencializa os sentidos, atiça a vontade. Noutras palavras, todas as instâncias do ente humano são afetadas pela visão das coisas belas, quando percebidas como tal, ou seja: trata-se de uma relação que pressupõe pró-atividade do espírito, sem a qual não se sairia da inércia típica dos momentos em que o homem não presencia a beleza, ou então quando esta simplesmente inexiste. Em suma, até para perceber o belo das coisas sensíveis é necessário adentrar o reino do inteligível, ainda que de forma rasa — caso de gente embotada a quem escapam as minúcias e sutilezas que tornam a beleza mais bela.

O êxtase, neste mundo, é uma exceção na vida das pessoas por duas razões principais:

Ø ou a inteligência humana se debilita por conta de obstáculos psicológicos, gnosiológicos e morais, que a impedem de se maravilhar tanto quanto poderia;

Ø ou se vê diante de coisas feias e deploráveis, que a narcotizam.

Poderíamos acrescentar a circunstância de o homem se encontrar — na maior parte de sua existência terrena — entre coisas nem bonitas nem repugnantes, mas excluímos esta hipótese pelo seguinte motivo: em verdade, neste caso trata-se de uma espécie de astigmatismo espiritual que o faz ver o mundo por meio de refrações enganadoras, as quais lhe desfocam a percepção. A beleza está diante dele, preciosa e radiante, mas ele é incapaz de dar testemunho dela, pois, como o personagem acorrentado ao fundo da Caverna de Platão (livro VII da República), vê espectros da realidade e não alcança a instância metafísica em que radica.

Santo Alberto Magno, em seu comentário ao De divinis nominibus — obra do místico neoplatônico Pseudo Dionísio Areopagita —, define a beleza como “esplendor das formas substanciais ou acidentais visto em suas partes materiais que revelam proporção e medida”.[1] O Doctor Universalis não considerava a beleza como um dos transcendentais do ser, talvez por enfatizar como uma de suas características essenciais a “boa disposição entre as partes”. Ora, isto exclui do universo da beleza os anjos, entes sem matéria em sua composição entitativa e, portanto, sem partes, assim como Deus, perfeição simplíssima sem composição de espécie alguma.

Por sua vez, Tomás de Aquino, discípulo de Alberto, enfatizava: Deus, primeiro princípio ativo universal da ordem do ser, é ato supremo e, por conseguinte, maximamente perfeito.[2] Sendo assim, em Deus se encontra a razão de beleza, na medida em que o ser é a precondição fundamental de qualquer beleza, e Deus é o ser perfeitíssimo – do qual pendem as perfeições das criaturas. Todas as belezas são, pois, partícipes da omniperfeição divina, e tão mais belas serão quanto melhor a espelharem.[3] Deus é, para o Aquinate, beleza mensurante, ao passo que as criaturas são belezas mensuradas, pois Ele” é belo em si mesmo e não sob um particular aspecto; (...) é belo sempre e uniformemente, e d’Ele se exclui qualquer defeito quanto à beleza, a começar pela mutabilidade, que é o seu primeiro defeito. (...) Deus é a causa da beleza em todas as criaturas; suas irradiações são “pulcríficas” (ista traditiones sunt pulchrificae)”.[4] Ou seja: Ele embeleza as coisas emprestando-lhes certo fulgor.

Entre os entes compostos de matéria e forma, a beleza da mulher sobeja. Não à toa, “formosura” é a expressão que cabe, com grande precisão semântica, à mulher bela, muito mais do que ao homem ou a qualquer outro ente belo. Tendo a mesma natureza corpóreo-espiritual do homem, a mulher – no tocante ao aspecto material-sensível de que fala Santo Alberto Magno em seu conceito de beleza –, quando é linda, torna-se capaz de causar eventos cataclísmicos. Por ela perdeu-se Tróia; por ela Otelo tornou-se um criminoso; por ela o mitológico deus Eros se apaixonou, e Afrodite, sua mãe enciumada, teve inveja e decidiu vingar-se; induzido por ela caiu o homem em pecado. A mulher bela é uma presença que se impõe aos sentidos e à inteligência de maneira visceral; difícil é não olhá-la, difícil é não ser atingindo, como por uma flecha, pela imagem viva que ela deixa na alma de quem a vê. Difícil é, diante dela, não se reduzir ao silêncio, modo próprio de contemplar a beleza.

Pastora Marcela, de Dom Quixote
Partimos da pressuposição teológica de que o homem, no presente estado de natureza decaída pelo pecado, não está espiritualmente preparado para receber a beleza. E nem para possuí-la, no sentido metafísico do termo. No primeiro caso, despertam-se a inveja e a cobiça e se acendem as paixões; no segundo caso, tende-se à vaidade desmedida e à jactância, que dela decorre. Daí a beleza despertar contendas, ciúmes, desconfianças, mortes e, não raro, solidão. Assim sucedeu com a linda pastora Marcela, no monumental Dom Quixote — moça que, ao ser vista, fazia os homens bendizer a Deus. Nas palavras de Cervantes, a jovem de beleza invulgar “causa mais danos nesta terra do que se por ela entrasse a peste, porque sua afabilidade e formosura atraem os corações dos que com ela convivem, fazendo-os servi-la e amá-la; mas seu desdém e desengano os conduz ao extremo do desespero”.

Por ela suicidou-se o desvairado Crisóstomo, mas, no enterro deste, para defender-se Marcela admoesta aos presentes que a culpavam pelo ato do pobre homem:

— Assim como não tem culpa a víbora pela peçonha que traz, embora mortífera (...), assim tampouco mereço ser repreendida por formosa, porque a formosura, na mulher honesta, é como o fogo distante ou a espada afiada: nem ele queima, nem ela corta a quem não se lhes aproxima. A honra e as virtudes são adornos da alma, sem as quais não deve o corpo parecer formoso, ainda que o seja. E se a honestidade é uma das virtudes (...), por que há de perdê-la quem é amada por formosa, apenas para corresponder à intenção dos que, por capricho e usando de todas as forças e indústrias, deseja que a perca? (...) Se a Crisóstomo matou sua impaciência e arrojado desejo, por que se há de culpar o meu recatado e honesto proceder?

Esta passagem de Cervantes (Dom Quixote, livro I, cap. XIV) nos remete à crise habitualmente suscitada pela beleza neste mundo espectral — tão carente dela nos corações humanos. Em resumidas contas, a beleza física tende a ofuscar a beleza espiritual e fazer-nos enxergar a realidade pelo avesso. Esta é uma das causas da impossibilidade de amarmos perfeitamente nesta vida: sequer conseguimos aquilatar a beleza em seu real valor e profundidade, como inserida numa hierarquia de belezas materiais e espirituais cujo cume é Deus, o Próprio Ser, que, como vimos, é a razão de beleza sem a qual nada poderia ser dito propriamente belo, pois são de empréstimo as belezas deste mundo submetido ao movimento e à corruptibilidade.

A mulher bonita — por ser fulgurante e agradar à vista de maneira às vezes irresistível — parece-nos o ponto de inflexão propício para buscarmos uma razoável analogia para o trânsito da fruição das coisas sensíveis às inteligíveis, ou melhor: da fruição do inteligível no sensível. Não nos referimos, aqui, às precondições para algo ser dito belo, assinaladas no primeiro parágrafo, mas à necessidade de buscar um ponto arquimédico que nos forneça anticorpos para suportar a beleza, compreendê-la como dádiva divina, e não ficar sob o seu jugo. Platão conseguira indicar um caminho no Banquete, onde Eros está para as apetências humanas assim como as realidades matemáticas estão para a vida do espírito. Ali, é evidente a necessidade de ascese interior, para que as coisas sejam amáveis de acordo com a sua importância na escala dos bens que há na realidade.

Mas demos um passo adiante, para consignar o seguinte: para apreciar a beleza sem perder-se por ela, é preciso vestir-se com a armadura da virtude chamada pelos cristãos de castidade. Pureza interior é precondição para o entendimento das belezas exteriores (incluídas aqui as belezas noéticas e as produzidas pela arte), pelo menos se não pretendemos reduzir a beleza a seu aspecto visível radicado na matéria. Neste último caso, acaba-se não apenas por não compreendê-la, mas sobretudo distorcê-la a ponto de transformá-la numa coisa esquisita, artificial, forçada. Modelos anoréxicas que hoje são estampadas nas capas das revistas — com a boca entreaberta fazendo cara de sagüi excitado — nos dão uma caricata mostra disso.

O sentido maior da castidade foi enfatizado por Santo Tomás ao lembrar-nos o seguinte: se, no homem, a atividade intelectual consiste na abstração das imagens das coisas sensíveis, “quanto mais o intelecto se libere dessas imagens (...), tanto mais se tornará capaz de considerar devidamente os inteligíveis e ordenar os sensíveis”.[5] Em síntese, em si mesma, a beleza está no plano inteligível, mas não como forma arquetípica subsistente, ao modo platônico, e sim como conquista da inteligência na inquirição das coisas — com exceção da beleza de Deus, a qual se identifica em sentido absoluto com o Seu ser imaterial e está muito além da capacidade humana de conhecimento, pois somente um intelecto infinito poderia conhecer o que é de per si infinito.

Neste contexto, diga-se que a alma casta está em vantagem não apenas para apreciar a beleza em sua real dimensão, mas também para possuí-la sem se deixar cair na vaidade ou sucumbir à cobiça desenfreada dos homens, como nos dá exemplo a linda pastora Marcela, no clássico Dom Quixote.

Caluniada pelos que a desejaram, odiada pelos que rejeitou, mas justa, honrada e livre, como um arquétipo da verdadeira beleza.[6]
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1- Alberto Magno, Super Dionysii De divinis nominibus, q. 5
2- Cfme. Suma Teológica, I, q,4, art 1, corpus.
3- É claro que o ateu há de negar o fato de em Deus dar-se a ratio da beleza, em relação à qual todas as demais belezas são relativas. Mas como o ateísmo é a patologia que tem por fundamento uma negação aporética e contrária ao senso comum, e a sua cura se dá ou por milagre ou pela paciência bíblica de algum sábio e santo homem que lhe explique as razões pelas quais não pode haver ruptura no ser, e que todas as coisas da realidade são contingências metafísicas que pressupõem a indefectibilidade de um ser superlativamente perfeito e infinito, deixemos por ora o ateu de lado. Ele não é objeto do presente texto, embora valha a pena lembrar que, por mutilar culpavelmente a própria inteligência, ele seja alguém dotado de reduzida capacidade de extasiar-se perante as coisas belas. Ele tenderá a instrumentalizá-las, em vez de fruí-las naquilo que têm de sublime.
4- Tomás de Aquino, In Div. Nom., IV, lectio 5.
5- Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q. 15, art.3
6- Alguns cervantinos ressaltaram a ambivalência da pastora Marcela, chegando a ver nesta personagem do Quixote uma feminista avant la lettre. Preferimos ficar com aqueles para quem Marcela representa o ideal da beleza que, sendo livre, não se deixa prender pelos laços das paixões e desvarios humanos.